segunda-feira, 5 de março de 2012

Carta da Aty Guasu enviada ao desembargador da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª TRF/SP


Grande assembleia Aty Guasu Guarani-Kaiowá-MS, 03 de março de 2012
À 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Ref.: Agravo de Instrumento n. 0026974-69.2001.4.03.0000/MS- 2011.03.00026974-4/MS
Excelentíssimo Senhor Desembargador da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Meritíssimo ANTONIO CARLOS CEDENHO,

Nós lideranças Guarani-Kaiowá da grande assembleia Aty Guasu vimos por meio desta apresentar a situação mísera, perplexa e instável permanente de vida de (trinta mil)30.000 Guarani-Kaiowá expulsos dos territórios tradicionais que se encontram em oito (08) Postos Indígenas/aldeias superlotadas criada entre 1915 e 1928 pelo órgão indigenista Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Há 15 mil Guarani-Kaiowá despejados das terras antigas que estão dispersos nas pequenas áreas/acampamentos em conflito, nas margens das rodovias BR e nas periferias das cidades do Cone Sul de MS. De fato, a vida mísera e instável, assassinatos, suicídios e desnutrição que atingem a nova geração Guarani e Kaiowá são o resultado direto de violentas expulsões dos indígenas dos territórios antigos praticadas por pistoleiros das fazendas do atual Cone Sul de MS ao longo das décadas de 1970 e 1980.

Observamos que desde 1990 as ordens de perversos despejos das comunidades Guarani-Kaiowá são promovidas pela primeira instância da Justiça Federal do Mato Grosso do Sul.

Assim, a continuidade de nossa miséria, sofrimento, instabilidade e dispersão cruel de nossas famílias, a tentativa de desligamento de nosso território continua sendo efetuado pela própria Justiça Federal do Mato Grosso do Sul. Dessa forma, fomos levados às reservas/aldeias e margem da rodovia BR onde hoje não há mais espaço de terra para nós sobrevivermos.

Nestas reservas/aldeias não há mais espaço, recursos naturais, mina d’ água, são superlotadas e, por conta desta superlotação, há nelas muita violência. De fato, em decorrência desses vários despejos violentos já resultaram centenas de suicídios, mortes por desnutrição em todas as reservas/aldeias superlotadas. Nestas reservas e na margem da rodovia BR não há como praticar e preservar mais nosso modo de ser e viver Guarani-Kaiowá. Diante disso que muitas famílias Guarani-Kaiowá decidiram e tentaram retornar aos territórios antigos, ocupando pequenas parcelas de terra, com o objetivo de sobreviver culturalmente e para praticar os rituais religiosos e se afastar do mundo de violências das reservas/aldeias superlotadas. Como exemplo temos: As comunidades de Laranjeira Ñanderu -Rio Brilhantes-MS, Takuará-Juti, Kurusu Amba-Cel Sapucaia, Guaiviry-Aral Moreira, Guyra Roka-Caarapó entre outros. Nestes pequenos espaços reocupados por famílias extensas Guarani-Kaiowá, em que ocorre diariamente a prática de rituais religiosos e profanos, os grupos recomeçaram revitalizar as culturas tradicionais que garantem a boa vida futura. Isto não é mais possível nas reservas/aldeias onde as famílias foram sempre despejadas. 

Em geral a ordem de despejo das comunidades Guarani-Kaiowá dos territórios conseguido pelos fazendeiros através da Justiça Federal, em certa medida é a continuidade da expulsão drástica e perversa praticada comumente pelos pistoleiros das fazendas nos anos de 1970. Já vivemos e sentimos que as consequências das ações de despejos tanto pelos pistoleiros das fazendas, quanto pela Justiça, os resultados foram, são e serão extremamente truculentos e nocivos para a nova geração Guarani-Kaiowá.  

Assim, destacamos que a ordem da Justiça Federal em Dourados-MS para despejar através de força policial a comunidade Guarani-Kaiowá de Laranjeira Ñanderu, composta também por crianças, mulheres e idosos, faz parte de um processo sistemático de etnocídio/genocídio, devido a uma história de violências contra povos indígenas brasileiros, alimentando o extermínio total do povo Guarani-Kaiowá do Cone Sul de Mato Grosso do Sul.
Ressaltamos que nos Guarani e Kaiowá temos uma ligação especial com o território, pertencemos à determinada terra. Assim, a terra ocupada por nossos recentes antepassados é vista por nós como uma fundamentação de vida boa, vida em paz, sobretudo é a fonte primária de saúde, bem estar da comunidade e famílias indígenas.  Dessa forma, o nosso território antigo é vital para nossa sobrevivência e desenvolvimento de atividades culturais que permitem a vida boa como um forte sentimento religioso de pertencimento à terra antiga, fundamentada em termos cosmológicos, sob a compreensão de que nos Guarani-Kaiowá fomos destinados, em nossa origem, como humanidade, a viver e a cuidar deste específico território antigo.

Diante disso, vimos através desta carta apresentar os nossos pedidos a Vossa Excelência. Nosso povo Guarani-Kaiowá quer sobreviver fisicamente e culturalmente como povo originário do Brasil. Não queremos ser extintos pela própria ação e mando da Justiça do Brasil. Como primeiro povo indígena do Brasil, queremos ser protegidos pela Justiça brasileira. Não queremos ver mais os nossos parentes serem expulsos dos pequenos espaços em seus territórios tradicionais, aumentando e alimentando mais violências contra o povo Guarani-Kaiowá. Por essa razão, nós lideranças da assembleia do Aty Guasu do povo Guarani Kaiowá do MS solicitamos a permanência da comunidade Guarani-Kaiowá de Laranjeira Ñanderu -Rio Brilhante-MS no pequeno espaço antigo em que está reiniciando uma boa vida, onde está realizando os rituais vitais do povo Guarani-Kaiowá. Além disso, solicitamos a conclusão imediata do relatório antropológico de identificação do território Laranjeira Ñanderu-Rio Brilhante-MS. Visto que esta área é de ocupação tradicional Guarani-Kaiowá, é integrante das terras antigas situadas na bacia do Rio Brilhante.

Queremos que a Vossa Excelência antes de votar sobre o despejo da comunidade indígena Guarani-Kaiowá de Laranjeira Ñanderu -Rio Brilhante-MS considere em primeiro lugar que as reservas/aldeias indígenas existentes no Cone Sul do atual Estado de Mato Grosso do Sul são superlotadas, onde não há mais espaço, infraestrutura e recursos naturais para sobreviver como povo Guarani-Kaiowá. Nas margens da rodovia há diversos perigos de vida onde já foram atropelados e mortos 5 indígenas de Laranjeira Ñanderu -Rio Brilhante-MS.

Importa considerar que no pequeno espaço do território tradicional de Laranjeira Ñanderu -Rio Brilhante-MS são encontradas fundamentais fontes de água (minas d’água, córregos, rios, etc.), que é o que permite e garante a vida boa da comunidade indígena Guarani-Kaiowá, onde estão se recuperando de todas violências sofridas.

Atenciosamente,                                                                                      
Aty Guasu- Jaguapiré-Tacuru, 03 de março de 2012
Lideranças da Aty Guasu do povo Guarani-Kaiowá do MS.

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